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ESTADO, IDEOLOGIA E PODER

 

ESTADO, IDEOLOGIA E PODER


1. INTRODUÇÃO

    Essa discussão sobre Estado, ideologia e poder se guia pelas contribuições teóricas de

Louis Althusser (os aparelhos ideológicos do Estado) e de Michel Foucault (as Relações de

Poder), que por sua vez, se orientam por outros marcos teóricos que aparecem em segundo

plano nessa discussão, a saber: A ideologia burguesa e a alienação do homem pelo capital (Karl

Marx); o controle do Estado e a relação entre Liberdade x Segurança (Thomas Hobbes); a ideia

de que a sociedade define o indivíduo (Emile Durkheim); e a governabilidade e o exercício do

poder como aparecem em “O Príncipe” (Nicolau Maquiavel).

    O que se pretende é analisar o Estado a partir dos seus aparelhos e das relações de poder

que neles acontecem (ou fora deles, já que o poder está em toda parte e não ligado a uma pessoa

ou instituição). Tendo em vista as contribuições de Althusser e Foucault, busca-se possíveis

diálogos entre os dois teóricos, acerca das relações econômicas e sociais, do poder, das

instituições, da constituição histórica do homem e dos conceitos de ideologia.

2. ESTADO E IDEOLOGIA EM ALTHUSSER

    A obra de Althusser, retoma algumas discussões marxistas e ampliam os olhares para se

estabelecer uma distinção entre “poder de Estado” e “aparelho de Estado”. Antes, porém, vale

destacar como Althusser concebe “ideologia”, o que segundo reúne Vaisman (2006), vem a ser:

a) um sistema de representações; 

b) uma representação imaginária da realidade; 

c) que faz parte de toda uma totalidade social; 

d) que tem função prático-social, cujo terreno é o da experiência;

e) uma espécie de cimento da sociedade (à lá Durkheim).

    O discurso analítico percorrido por Althusser assegura três dimensões da ideologia. A

primeira é a de que a ideologia é um sistema de representações que em todas as sociedades

assegura a relação dos indivíduos com as tarefas fixadas pela estrutura do todo social. A

segunda leva em consideração a teoria das classes sociais, e assegura que a ideologia tem a

função suplementar de manter os indivíduos nas posições determinadas pela dominação de

classe. A terceira considera que o princípio de subversão dessa dominação ideológica é a

ciência.

    Com base na proposta de “Estrutura Social” de Marx, Althusser defende que a

superestrutura assegura, através de mecanismos próprios à sua natureza, a reprodução das

relações sociais, considerando que o econômico não é a condição básica que determina o social.

Portanto, o fenômeno ideológico é referido imediatamente ao processo de reprodução das

condições de produção.

1 Docente no Componente Curricular “Ideologia e Poder” no 2o Quadrimestre de 2020 na Universidade Federal do Sul da Bahia, Campus Jorge Amado.

2 Discente responsável pela etapa “Estado”, do Seminário sobre “Ideologia e Poder”.


    Para Althusser, o Poder de Estado, se manifesta a partir dos “Aparelhos de Estado”, que

podem ser chamados de “Aparelhos Repressivos do Estado”, que atuam com violência para

garantir o controle da sociedade. Justaposto a estes estão os “Aparelhos Ideológicos do Estado”,

que também estão para assegurar o poder, mas a partir de um sistema de representações

embutidas no imaginário social, reprodutoras da ideologia dominante.

    Constituem-se como sendo Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) as seguintes

instituições: o aparelho religioso (diversas igrejas existentes), o aparelho escolar (escolas

públicas e particulares), o aparelho familiar, o aparelho jurídico, o aparelho político, o aparelho

sindical, o aparelho da informação (imprensa, televisão, etc.) e o aparelho cultural composto

pelas atividades artísticas e desportivas (Althusser, 1980 apud Souza e Garcia, 2007).

    Vale lembrar que todo aparelho é de Estado, que a escola é o principal aparelho

ideológico do Estado e que a ideologia não tem história. Ela representa a relação imaginária

dos indivíduos com suas condições reais de existência. A ideologia tem uma existência material,

pois ela existe sempre em um aparelho e em sua prática ou práticas.

3. ESTADO E PODER EM FOUCAULT

    A palavra “poder” pode ser problematizada a partir de diversos sentidos. Contudo, ela

sempre evoca a ideia de força, capacidade de governar e de se fazer obedecer. Deste modo,

Michel Foucault, estabelece o que é possível entender por “poder” e “relações de poder”.

Para Foucault, segundo o que registra Ferreirinha e Raitz (2010), o poder está em toda

a parte e deve ser entendido como uma relação flutuante, não estando em uma instituição nem

em ninguém, o poder não é do Estado ou da soberania, mas está à disposição de todos e é

impossível se livrar das relações de poder.

    A tríade, “poder, direito e verdade” de Foucault, considera que o poder como direito

está na forma como a sociedade se coloca e se movimenta, se há rei, há também súditos. O

poder como verdade vem se instituir pelos discursos que a verdade é obrigada a produzir. Um

pela ordem, o outro pela subjetividade da ordem.

    Pode se entender por poder, uma ação sobre ações. Essas relações, marcadas pela

disciplina (que traz consigo uma maneira específica de punir), são postas pelas instituições,

escolas, prisões, quartéis, fábricas, hospitais psiquiátricos. É pela disciplina que as relações de

poder se tornam mais facilmente observáveis, pois é por meio da disciplina que estabelecem as

relações: opressor-oprimido, mandante-mandatário, persuasivo-persuadido, e tantas quantas

forem as relações que exprimam comando e comandados.

    Vale destacar que o poder disciplinar que surge na modernidade substituiu o poder

pastoral, ou seja, na modernidade a escola substitui a igreja, sob a égide de que, adotados os

preceitos da laicidade, a escola seja um espaço neutro. Contudo, não existe neutralidade nos

espaços de poder, pois neles existem poder e resistência, que pode ser entendida não como um

contra-poder, mas como modos de navegação dentro das relações com o poder estabelecido.

Foucault (2003, apud Souza e Garcia, 2007) quer demonstrar, que não são as estruturas

sociais que determinam as relações de poder, mas são micro relações de poder, que passam

despercebidas aos nossos olhos, é que acabam constituindo estruturas sociais.

4. DIÁLOGOS ENTRE ALTHUSSER E FOUCAULT

    Depois de ter-se salientado os principais aspectos do pensamento de Foucault e

Althusser, resta saber: Quais seriam as possíveis relações entre as obras dos filósofos? O que

teriam em comum? Existe alguma possibilidade de diálogo entre o pensamento marxista de

Althusser e a filosofia de Foucault.


    Dentre as semelhanças encontradas nas contribuições de Althusser e Foucault,

destacam-se: a) o não economicismo na análise do poder, pois ambos concordam que não se

explicam o campo ideológico e as relações de poder apenas pelo viés econômico; b) a

positividade do poder, entendendo que o poder não quer somente negar ou proibir, mas produzir

formas de vida; c) a sutileza do poder; d) a desnaturalização das instituições, entendendo que

elas não são algo dado, nem pré-concebidas, nem determinadas; e) o homem como sujeito

historicamente construído e; f) que a ideologia não significa falsa consciência pelos homem das

relações de dominação entre classes, mas que são o deslocamento para o imaginário dominante

sobre a realidade.


QUESTÕES PARA DEBATE

    De que maneira o Estado influenciou sua forma de pensar? Como os aparelhos

ideológicos do Estado (igreja, escola, família, impressa...) condicionaram sua forma de ver o

mundo? Como você percebe as relações de poder nos locais onde você habitualmente

frequenta?


REFERÊNCIAS

VAISMAN, Ester. Althusser: Ideologia e Aparelhos de Estado – Velhas e Novas Questões.

Projeto História, São Paulo, n.33, p. 247-269, dez. 2006

FERREIRINHA, Isabella Maria Nunes; RAITZ, Tânia Regina. As Relações de Poder em

Michel Foucault: Reflexões teóricas. RAP – Rio de Janeiro, n. 44, p. 367-383, mar/abr. 2010.

SOUZA, Eloisio Moulin; GARCIA, Agnaldo. Um Diálogo entre Foucault e o Marxismo:

Caminhos e Descaminhos. Revista Aulas, n. 3, mar. 2007

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